Despertar de um son(h)o: Por que não se permitir se levar pelo son(h)o?
- jardimgrazielle
- 6 de fev. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de fev. de 2022

Queixa não pouco frequente na clínica as alterações no sono são sintomas presentes em inúmeras psicopatologias descritas pelo DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), muito frequentes em quadros depressivos e ansiosos, mas também em transtorno do estresse pós-traumático e de estresse agudo. Menos frequentes, mas também existem casos em que a quantidade e qualidade do sono estão relacionados a algum transtorno neurológico, bem como alterações causadas por uso de substâncias psicoativas.
A falta de sono traz inúmeros prejuízos em nossas relações sociais, saúde física e mental; e o ciclo vicioso se mantém: falta de sono – prejuízos ao cotidiano e cotidiano conturbado alterando o sono. Em alguns casos o uso de medicação se faz necessário para apaziguar o sintoma e permitir que o paciente tenha uma vida minimamente possível. Entretanto, quando relacionado a adoecimento psíquico uma intervenção psicoterapêutica ou analítica é fundamental para o tratamento.
Pois bem, mas por que a alteração do sono acontece?
O sonho como já apontava Freud, é o guardião do nosso sono. Ao permitir-se entregar ao ato de dormir, desligando as nossas percepções do mundo externo, nosso estado de vigília rebaixado, damos vazão a produções que ficam em estados latentes durante a nossa vida diurna. Como bem nos coloca Freud; a principal função do sonho é a satisfação dos nossos desejos inconscientes. Esta satisfação carrega também consigo uma carga de desprazer devido repressões superegoicas (uma instância psíquica que fundamenta a nossa moral), desta forma os mecanismos de defesa do ego (nossa instância mais superficial ligada à nossa consciência) funcionam reprimindo estes conteúdos para fora da consciência. Estes conteúdos que não acessam a consciência, se não em forma de enigma através dos atos falhos e chistes e nas entrelinhas da associação livre, aparecem de forma mais “livre” durante o momento em que nossa vigília está rebaixada, ou seja, o momento em que entregamos a nos mesmos ao sono. Como demonstra Freud, apesar do rebaixamento da consciência diminuir a censura e permitir que tais conteúdos se apresentem, este ainda sim aparece de forma enigmática na junção aos restos diurnos.
Desta forma, sonho e sono são compatíveis e funcionam juntos em preservação mútua. O sonho preserva o sono criando formas de não trazer à tona aquilo que o despertaria, por outro lado, o sono permite que o psiquismo trabalhe os conteúdos que não são possíveis de aparecerem em uma vida de vigília – de muitos estímulos e de exigências que nos coloca a todo instante diante da necessidade de ação, e que permite cada vez menos uma assimilação.
Se por um lado os mecanismos de condensação, deslocamento e figurabilidade que fazem parte dos processos oníricos permitem que os desejos inconscientes se apresentem de forma mascarada entre os conteúdos manifestos presentes juntos aos restos diurnos, por outro, Freud demonstra que quando há uma falha neste processo psíquico de simbolização, o despertar acontece. Excitação interna que nos faz despertar como uma defesa para não termos que nos haver com algo que fala sobre nós - nosso desejo/angústia. Não coincidentemente esta falha no processo onírico pode ocorrer em períodos em que há uma exigência de capacidade de assimilação e de simbolização de experiência/vivência, seja no momento atual ou rememorações de situações ainda não representadas pelo psiquismo. A sobrecarga psíquica de uma experiência de estresse e trauma impede que o processo ocorra de forma natural, uma dificuldade de simbolização que permite assimilar o real do evento estressor. Falar sobre o que lhe desperta, conseguir representar no psiquismo experiências de trauma e de estresse é um caminho possível diante da angustiante dificuldade de dormir.
Comentários