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Depressão – no contratempo e no descompasso da contemporaneidade

  • jardimgrazielle
  • 19 de abr de 2021
  • 3 min de leitura

Atualizado: 30 de jan de 2022


Vivemos em um contexto social da produtividade, da velocidade, do alto fluxo de informações, das exigências dos indivíduos às normas em que os interesses mercadológicos ditam as regras. A ideia de vender seu tempo em hora de trabalho e comprar em horas o trabalho do outro, surgido na sociedade moderna com o advento do capitalismo, dá um valor monetário ao tempo que se relaciona sempre a um perder e ganhar a todo instante. Está submerso a uma lógica que se consolidou ao longo dos séculos e que é transmitida de geração a geração passa a noção de naturalidade a algo que é criação do humano, e neste sentido parece não haver escolhas a não ser, “dançar conforme a música”. O sujeito desaparece na urgência dos afazeres cronometrados da vida atual e no atendimento a demanda do outro. Quando o compasso subjetivo acompanha o dia-a-dia, pode surgir o sentimento de estar no automático, que a vida é um dia após o outro; quando o tempo subjetivo está fora do compasso das determinações da vida, os desencontros e os conflitos emergem diante de uma rotina que já não é mais possível. Algo disto aparece como sintomas de transtorno de estresse, ansiedade e depressão.

Pode-se dizer que existe uma certa sabedoria na lentidão do depressivo. É uma forma de denunciar e se rebelar contra o tempo — ao contrário do tempo ou no contratempo — colocado pelo outro, um tempo determinado pelas contingências sem fim do dia-a-dia, acrescida da necessidade de tudo pronto para ontem. Desta forma o depressivo rejeita este lugar de assujeitamento de uma vida ao atendimento da demanda do outro para viver o seu próprio tempo, seu tempo de introspecção, reflexão, assimilação, compreensão de si e do outro. Nada parece mais urgente ao depressivo, as solicitações podem ser adiadas, tudo pode ser deixado para depois, o tempo interno ganha relevância que pode não ter tido em outro momento. É necessário voltar para si, olhar para si, entender o vivido, o passado que não deu tempo de ser compreendido, a vida que passou no automático, dar tempo de elaborar algo que não teve seu próprio tempo respeitado, para que algo possa ser concluído e possa ganhar outro (um novo!) direcionamento. Mas nem sempre acontece desta forma.

Cada um tem seu tempo para compreender e elaborar a sua própria experiência. Porém, o tempo de compreensão do depressivo pode se tornar uma eterna repetição, da qual já não se sai do lugar, sinal de que a extensão do tempo para compreender já ultrapassou. Uma barra externa de uma análise é necessária para ajudar neste processo de compreensão — que deve ser respeitado — mas para que também possa ser concluído. É impossível determinar este tempo que é próprio da experiência que cada indivíduo carrega, pior ainda é apressar este tempo, assim como pode ter ocorrido antes, mas em algum momento este tempo de concluir chega, sem hora marcada, e neste momento entende-se que algo foi deixado para trás: uma experiência de dor, de perda; que marca e ecoa, e fica apenas o resto, o resumo ou o resultado: uma lição, uma nova forma de ver, de ser, de relacionar, cada um nomeia como achar melhor.

No refúgio da vida social e trânsito dos espaços públicos, o depressivo vai se anulando como sujeito — de expressão, de opinião, de criatividade — desaparecendo por não se permitir ser diante do outro. Esconde-se em sua “caverna” narcísica e protegida, onde não há de se confrontar com a alteridade do outro, e que, em algum momento, irá lhe apontar sua própria diferença — suas potencialidades e fragilidades, suas capacidades e incapacidades. O outro lhe angustia porque estar diante do outro significa estar diante do inesperado — não se sabe bem ao certo o que o outro quer de nós e não se sabe ao certo o nosso lugar diante do outro — e nunca saberá. Este outro inflacionado do depressivo pode até ser visto como ameaçador, e ao se proteger dele, se acovarda diante de seu desejo.

É preciso apostar na busca de seu desejo — que foi perdido em algum momento — encontrar este caminho é essencial em uma experiência de análise. Não ceder de seu desejo, dar conta de sustenta-lo diante das demandas do outro, atravessar a fantasia da insuficiência. Deparar-se em sua história com o que lhe angustia, lhe paralisa, dar novas significações a esta história e fazer brotar do vazio de sentido e da distensão do tempo, um tempo a seu favor, um tempo em que algo possa ser feito diante de seu desejo, e que assim lhe prenda à vida.


O tempo é uma vivência singular - para uns corre, para outros passa lentamente, já outros se perdem nele
O tempo descompassado

 
 
 

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